terça-feira, 17 de março de 2009

Revista Veja: mau jornalismo e veneno contra a Reserva de vagas

Revista Veja: mau jornalismo e veneno contra a Reserva de vagas

Em sua nova edição, a revista Veja faz pesadas críticas à proposta de reserva de vagas aprovada pela Câmara e que aguarda votação no Senado para as "próximas semanas", segundo a própria reportagem. Entitulada "Uma segunda opinião" - como se um projeto que tramita desde meados da década de 90 no Congresso não tivesse sido debatido -, da matéria escorrem o conservadorismo e o preconceito já consagrados no panfleto dos Civita.

De início, a jornalista Camila Pereira questiona se às universidades cabe o papel de "reparar injustiças históricas". E completa: "As universidades existiram desde sempre para produzir conhecimento. A produção de conhecimento de qualidade só é possível em ambientes de porta de entrada estreita e com regime de mérito".

Um parêntese: seria de se esperar que aspas de algum especialista no tema aparecessem na sequência para corroborar a tese da repórter. Mas isso não se vê. Nenhuma escassa voz do ramo vem em socorro da matéria que, portanto, já começa bamba.

Mais grave que o mau jornalismo, contudo, é a conclusão bombástica de que são inimigos inconciliáveis a qualidade do ensino e a ampliação da quantidade de alunos, ou seja, a democratização do acesso. Pior: que apenas apartada do povo a universidade pode seguir sua vocação de excelência.

Primeiro, quanto ao regime de "mérito", leia-se vestibular, já há experiências que questionam sua eficácia e propõem a substituição por métodos mais democráticos e que não reproduzam a clivagem sócio-econômica deste. Depois, historicamente os movimentos sociais ligados à educação, em especial o estudantil, souberam lutar por ampliação e democratização do acesso ao ensino superior com o pressusposto de aumento das verbas e garantia de qualidade. Uma das bandeiras de democratização do acesso é a Reserva de Vagas, como forma de abrir as portas da universidade para os filhos dos trabalhadores, aproximá-la do povo e (por que não?) reparar, sim, as "injustiças históricas", pois o conhecimento produzido deve servir aos interesses do país e da grande maioria do povo.

Mas à Veja - e ao projeto político que ela empresta suas páginas - não interessa a ampliação dos recursos empregados na educação. Afinal, os gastos públicos são melhor canalizados em "ambientes de porta de entrada estreita", como o bolso de banqueiros e apaniguados.

"Contaminação ideológica"

Segundo a reportagem, o projeto que institui as cotas sofre de "contaminação ideológica", tem "forte apoio oficial" do governo, que pratica "retaliação automática" aos opositores da ideia. E dá a palavra a um militante de organização do movimento antirracista: "Não apoioar as cotas, como é o meu caso, significa abrir mão de financiamentos e cargos públicos", diz. Aqui novamente o panfleto pratica o jornalismo comodista, próprio de quem quer dar voz a uma posição política determinada. Seria difícil perguntar ao tal militante um exemplo de situação em que ele ou sua entidade tenham sido preteridos em "financiamentos e cargos públicos" por sua posição nessa matéria?

Além do mais, o projeto - que de fato conta com a simpatia do governo federal - tramita desde muito antes do início do primeiro governo Lula e foi aprovado também com votos da oposição. Mais: o ex-ministro da educação de FHC Paulo Renato foi o proponente da emenda que instituiu no projeto o critério econômico que reserva parcela das vagas a estudantes de famílias com renda per capta de até 1,5 salário mínimo.

Linha editorial contaminada

Quem de fato parece padecer de "contaminação" é a linha editorial de Veja. Disposta a mandar às favas os escrúpulos e alimentar sua cruzada contra o governo federal, a revista tira do bolso do colete uma comparação entre a reserva de vagas e as práticas do regime de apartheid, na África do Sul, e do nazismo, na Alemanha, para depois estocar: "É previsível que, se implementado nacionalmente no Brasil o sistema de cotas, negro será quem o agente do estado petista disser que é negro". Haja veneno.

Um tema de tão evidente interesse social e que produz tão variadas e respeitáveis posições, favoráveis e contrárias, não deveria merecer abordagens tão rasteiras, tão pedestres quanto estas de Veja.

Em outros rompantes, o panfleto ainda diz que no caso de aplicação da proposta, os beneficiários da "reparação não são aqueles que concretamente foram feridos pela escravidão", que "as cotas não resolvem as desigualdades sociais" e que ações afirmativas não resolveram problemas sociais em outros países.

De fato, políticas afirmativas são, em geral, medidas paliativas que melhoram, mas não resolvem definitivamente, posto que não atacam a causa das desigualdades. Mas, pela lógica estampada na revista, melhor é sentar em cima das desigualdades, renovar o calote na "dívida histórica" com negros e índios e seguir a vida, piorando e nunca melhorando a situação dos mais pobres. É bom lembrar que, por esse raciocínio, o ProUni - um dos programas governamentais de maior aprovação - também não deveria ter sido implementado. Ou, radicalizando um pouco mais, as políticas como o Bolsa Família, por exemplo, seriam contra-producentes, pois "é preciso ensinar a pescar e não dar o peixe".

Blitz no Senado para conquistar a Reserva

O debate sobre a Reserva de Vagas vem de longa data e é de conhecimento geral que a proposta não resolverá sozinha um dos grandes entraves do ensino superior brasileiro, que é a necessária radical democratização do acesso com garantia de qualidade. É preciso dar passos para que, no futuro, ele seja universal e todos os interessados tenham condições efetivas de ingressar na universidade. Contudo, a aprovação da Reserva de Vagas, inclusive com as chamadas "cotas sociais", é um avanço que atende a demandas históricas do movimento social e aproxima a hoje elitista e fechada universidade das necessidades e interesses do povo.

Ciente da possibilidade de ver concretizada a reivindicação, o movimento estudantil já se prepara para fazer uma blitz no Senado Federal, no próximo dia 11 de março, para cobrar dos parlamentares a imediata votação e aprovação do texto.

Fernando Borgonovi, diretor de Comunicação UJS

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma boa atitude da UJS de Sergipe e espero que seja um bom canal para comunicação com a juventude do seu estado